Miséria e lágrimas
Vinha pensado há tempos sobre miséria, sobre pobreza. Não sei quando começou esse pensamento em mim, lembro de quando criança, me impressionar com os moradores de rua. Vislumbrar aquele pária social, naquela situação. E me perguntava, onde foi que ele errou? Cadê os pais dele?
Cresci com diversas imagens e reflexões sobre esses vislumbres da miséria, do descaso.
O tempo, a rotina, o meio, tudo isso foi chutando pra debaixo do tapete do esquecimento, essas poeiras de alma.
Hoje sentado na praça, fumando um cigarro, admirando as pessoas passando. Resolvi fazer uma faxina em meu âmago.
Cansado da sujeira que já estava à entulhar meus móveis.
Resolvi sacudir justamente o tapete. Assustei de princípio, há muito não via aquilo que estava por baixo do tapete.
Recordei de tudo aquilo, todos os questionamentos, toda vontade de compreender a fundo a miséria.
Poxa, agora tenho qualidade pra falar e entender um pouco à respeito. Agora posso produzir um monólogo reflexivo íntimo, de certa forma.
A miséria, miséria. É coisa plantada, coisa que jogam na gente todo dia, é medo, é fracasso.
Miséria é o terror, desde o mais pobre ao mais rico. Miséria bota medo em qualquer um.
Por que? Vivemos em mundos tão diferentes, e a palavra miséria quer dizer o mesmo em todos esses mundos. Significa falhar.
Essa idéia é uma imposição, nos colocam isso na caixola, nos dobram em dois e esticam depois. Tudo para nos aterrorizar, pra controlar nossas escolhas, nossas capacidades. Marginalizam o fracasso, pode ser qualquer fracasso; um salário mais baixo, um filho doente, um marido feio, um dia ruim. Em todos o sentimento de fracassar é latente. Não por nós, em natural estado, mas por imposições sócio propagadas.
Pra piorar, correlacionam o fracasso à miséria. Claro, ora, tem que se pressionar o fracassado, tem que cobrar mais, extirpar mais as individualidades, coletivizar mais as frustrações.
Se cegam, sem ver. Cada vez mais para a verdadeira ideia de miséria, aquela degradante aos olhos meus quando criança. Continua degradante hoje em dia, mas minhas frustrações impostas por esse meio social que me incluíram, ocupam a vista para as verdadeiras misérias (muito mais importantes que as minhas). As misérias de quem não tem nada.
Cada vez mais os que tem muito sofrem de angústias muito maiores dos que não tem nada, e cada vez mais se cegam pras verdadeiras misérias. Um indivíduo inflado no meio da boa aventurança, da riqueza, deveria se sentir profundamente envergonhado de compactuar com a miséria. Ele sabe disso afinal, não percebe, mas sabe.
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